Cidades mais seguras para mulheres, por Michelle Bachelet
(O Globo) Não há cidade ou país no mundo em que mulheres e
meninas possam viver livres do medo da violência. Nenhum líder pode dizer: isto
não está acontecendo na minha área.
Em 2012, dois casos se destacaram, provocando clamor público
em seus países e no mundo: o assassinato de meninas estudantes e da ativista
pela educação feminina Malala, no Paquistão, e o estupro por uma gangue num
ônibus e posterior morte de uma jovem estudante de 23 anos em Nova Delhi. Em
todas as regiões do mundo, casos sem conta aconteceram, mas não alcançaram as
manchetes globais.
Andando nas ruas, usando transporte público, indo para a
escola ou vendendo produtos no mercado, mulheres e meninas estão sujeitas à
ameaça de violência ou assédio sexual. Esta realidade da vida diária limita a
liberdade feminina para obter educação, trabalhar, participar da política - ou
simplesmente se divertir em seus próprios bairros.
Ainda assim, apesar de sua importância, violência e assédio
contra mulheres e meninas em espaços públicos permanecem questões esquecidas,
com poucas leis ou políticas em vigor para enfrentá-las.
Esta semana, em Dublin, cerca de 600 delegados - de
prefeitos a líderes do setor privado e da sociedade civil - estão reunidos para
o 8º Fórum da Aliança Mundial das Cidades contra a Pobreza. Eles vieram de todo
o mundo para discutir abordagens inovativas sobre tornar as cidades
inteligentes, seguras e sustentáveis.
Uma dessas abordagens é a iniciativa Cidades Seguras. É uma
parceria entre as Nações Unidas e governos municipais, comunidades locais e
organizações, que trabalha para tornar o ambiente urbano mais seguro para
mulheres e meninas.
Lançada inicialmente por Mulheres e o Habitat, da ONU, em
cinco cidades piloto - Cairo, Egito; Kigali, Ruanda; Nova Delhi, Índia; Quito,
Equador; e Port Moresby, Papua Nova Guiné -, a iniciativa foi expandida para
mais de 20 cidades e continua a crescer.
Uma das mais importantes lições que aprendemos é que cada
cidade é única e requer uma resposta local. Isto só pode ser obtido através de
um estudo com dados e provas, e participação dos membros da comunidade. Cidades
fizeram ações para melhorar a iluminação e o design de ruas e prédios,
treinaram e sensibilizaram policiais, passaram a contratar mais mulheres para a
polícia. Estas ações práticas podem fazer um mundo de diferença.
Um estudo diagnóstico em Nova Delhi, por exemplo, revelou
que uma estratégia comum contra o assédio era simplesmente manter meninas e
mulheres em casa. Uma menina explicou: "Se contarmos a nossos pais que
sofremos assédio de rapazes, eles poriam a culpa em nós e diriam que a culpa é
nossa. Eles poderiam até nos impedir de sair de casa." Manter mulheres e
crianças em casa não é uma solução. Moradores organizaram grupos comunitários
para despertar a conscientização, reportar crimes e trabalhar com as
autoridades para melhorar a segurança pública e a Justiça.Em Quito, mulheres
foram estimuladas a quebrar o silêncio sobre suas experiências através da campanha
Cartas de Mulheres e isso motivou um estudo. O governo municipal ampliou as
disposições contra a violência em relação às mulheres para incluir os espaços
públicos. O governo recebeu cerca de 10 mil cartas.
Em Port Moresby, Papua Nova Guiné, 55% das mulheres que
trabalhavam como vendedoras no mercado sofreram violência. Em resposta,
autoridades locais estão trabalhando com uma associação de vendedoras para uma
ação coletiva.
No Cairo, o governo nacional adotou auditorias sobre
segurança das mulheres, nas quais as participantes identificam as condições de
segurança em seus bairros, o que depois é incorporado ao planejamento urbano.
No Rio de Janeiro, comunidades estão identificando riscos
para a segurança em dez das favelas da cidade. Mulheres e adolescentes
treinadas usam seus smartphones para mapear riscos tais como infraestrutura ou
serviços defeituosos, ruas escuras e problemas de iluminação. Essas conclusões
iniciais foram apresentadas às autoridades locais e estão sendo usadas para a
busca de soluções.
A ONU, em parceria com a Microsoft, busca formas de usar a
tecnologia dos celulares para brecar o assédio sexual e a violência em espaços
públicos.
Outros esforços serão implementados através da parceria da ONU com Cidades e
Governos Locais Unidos. Eles enfocarão na coleta de dados sobre a participação
das mulheres na força policial e na expansão das atividades da iniciativa
Cidades Seguras.
Em Dublin, estou satisfeita de ouvir que o prefeito Naoise Ó
Muirí tenha expressado interesse em parcerias
com a Iniciativa Cidade Segura. Dublin será a primeira cidade da Europa
Ocidental a se juntar a nós.
Na medida em que mais mulheres, homens e jovens elevarem
suas vozes e se tornarem participantes nos governos locais, e mais líderes
adotarem ações pela segurança das mulheres e meninas, a mudança acontecerá.
Este encontro reconhece que tornar as cidades mais
inteligentes, mais seguras e mais sustentáveis requer parceria e colaboração -
entre moradores, governo, setor privado e a sociedade civil. Ao incluir mulheres
em seu processo de decisão, os governos municipais estarão em melhor posição
para enfrentar suas responsabilidades de garantir a segurança de seus
moradores, especialmente mulheres e crianças.
Michelle Bachelet foi presidente do Cile e é diretora executiva
da ONU Mulheres
O “Gang Gulabi” (ou o exército de sari rosa) é um grupo de
mulheres, na empobrecida região da cidade de Banda, no norte da Índia. O Gulabi
intervém em casos de violência doméstica, atacando os maridos abusivos com
"laathis" (varas de bambu). Atualmente, lutam para combater o
casamento infantil, eliminar o sistema de dote e derrotar o analfabetismo
feminino.
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