O Menino Maluquinho do Piauí
O relato que agora compartilho com todos os leitores desse blog são as peraltices de um garoto que viveu muito bem a sua infância. Quando li seu livro, que ele mesmo me deu de presente, fiquei encantada com suas narrativas, porque estas falam de uma infância muito bem vivida repleta de amigos e de muitas aventuras que jamais serão esquecidas. As crianças que viveram com ele esta época, realmente foram muito felizes, estavam sempre juntas criando brincadeiras e organizando as regras do jogo, a criatividade era o ponto forte dessa turminha. Ao ler suas aventuras de menino peralta, termo muito usado naquela época (1930),dei muitas risadas porque suas travessuras lembraram- me muito O Menino Maluquinho, personagem de Ziraldo. Hoje ele tem noventa anos é um vovô fofo cheio de sabedoria e muito feliz, porque quem chegou nesta idade e brincou como ele na infância, realmente aproveitou a melhor fase da vida. Sei que vocês também vão adorar suas travessuras , assim como vão lembrar da infância que tiveram, e espero que existam muitos meninos/as maluquinhos/as como ele, porque a infância é efêmera e deve ser bem vivida. No livro de Ziraldo, escolhi um trecho que revela o menino desse relato: “Ele era muito sabido, ele sabia de tudo, a única coisa que ele não sabia era como fica quieto.”
Primeira brincadeira: Pega pra capar
No ano de 1930, nós tínhamos nos mudado para a Rua da Glória
(hoje Lizandro Nogueira), para uma casa
bem próxima do Mercado Central de Teresina, a de número 28.Como todas as
anteriores, nossa casa era grande, com muitos cômodos. Os quatro quartos que
abrigavam a família distribuíam-se dois
a dois separados por um senhor corredor de aproximadamente dois metros de
largura e dez de comprimento, cortado ao meio por uma porta de vai -e –vem,
como aquelas que a gente vê em filme americano de caubói, abertas em baixo.
Pena que a casa tenha sido demolida e, hoje, o lugar, uma grande área aberta,
transformado em um estacionamento comum para abrigar o sem número de carros que
inundam e poluem a nossa bela cidade.
Pois bem, à noite, nossas mães reuniam-se nas calçadas,
embaixo dos postes de iluminação, para conversar até às 9 horas, horário em que
a usina de eletricidade desligava seus motores e apagava as luzes da cidade.
Iam colocar as fofocas em dia e nós, as crianças, nos reuníamos e inventávamos
brincadeiras de toda espécie para gastar nosso tempo e energias.
Éramos muitos, dos 6 aos treze anos. Além de mim, com 8
anos, me lembro dos nomes de alguns mais, como meu irmão Baptista(10) anos, os
filhos do tio Cromwell- Cromwellzinho(11) anos Cecil(9), Galton(7), Kilson(6) e
Henry(4, só participou uma vez)-,os irmãos Wall Braga, primos de meus primos-
José Wilson (de 12 para 13 anos e o mais alto de todos) e Roberto (11 anos)-,
os vizinhos Rocha-Durval(6 ), Donário(7), Darcy (9) e Dion (11).
Uma dessas brincadeiras ficou em minha lembrança de forma
mais clara que as outras, foi o “pega pra capar,” uma atividade um tanto
grosseira, mais da qual ninguém queria ficar de fora. Era realizada dentro
dessa casa da Rua da Glória, exatamente no corredor largo e comprido. Consistia
em apagar as luzes e, no escuro total, dividir os participantes ao meio: a
metade ficava na parte da frente do corredor e a outra metade na parte de
detrás. O desafio era atravessar a porta de vai- e- vem sem ser atingido por
nenhum outro participante que tinha o direito de dar umas taponas no que
conseguisse pegar. Vencia quem conseguia chegar até a porta da frente sem ser
tocado.
Henry, o menorzinho, na única vez que participou, passou de
gatinhas do início ao fim do corredor, bateu na porta da frente, dizendo: Cheguei e,
com isso, conseguiu encerrar o jogo, sendo, claro, o vencedor. A anarquia era
grande e a zanga também. Choravam sempre: Baptistinha, Donário e Kilson. Os maiores sempre sorteavam os que iam
à frente e quem ia atrás. Mas a brincadeira foi proibida por mamãe e só
funcionou duas ou três noites. Enquanto durou, entretanto, as crianças da
vizinhança brigavam em casa para participar.
Segunda brincadeira:
Xô, sem- vergonha, xô
A cidade crescia e houve a necessidade de se construir um
grande esgoto que levasse as águas servidas do Hospital Getúlio Vargas e
adjacências até o Rio Parnaíba. As escavações eram de grande envergadura:
quatro metros de profundidade para a construção do esgoto que finalizou com
dois metros de largura por dois de altura. Começava no hospital, seguia a
Avenida Frei Serafim, rodeava a igreja de São Benedito descia pela frente do
Palácio do Karnak, atravessava diagonalmente a Praça da Independência (Pedro
II) e continuava pela rua Paissandu até o rio.
A meninada se reunia no início de toda noite para brincar na
escavação da diagonal da praça. A traquinagem preferida era botar pra correr os
casais de namorados que se escondiam nos imensos buracos fundos e escuros do
futuro esgoto. Geralmente eram soldados de polícia com as empregadas
domésticas, vulgarmente conhecidas como curicas. Jogavam tanta pedra nos casais
que a eles só restava sair correndo e xingar os meninos, mais de 40.
Terceira brincadeira:
E dizem que hoje as brincadeiras são violentas!
Após a Revolução
Paulista de 1932, a
festa da meninada era simular guerras. Assim, dois grupos rivais, cada um com
mais de 30 representantes, reuniam-se vez por outra para guerrear. Um, o nosso,
representava a Rua Bela (Teodoro Pacheco) e o outro, o dos “carcamanos,” a Rua
Paissandu. Estes eram assim chamados porque a maioria era filha de árabes.
Quando os dois grupos se estranhavam, as lutas aconteciam. Mas, apesar da
rivalidade, respeitavam-se e, no fundo, no fundo, desejavam unir-se para
combater um grupo considerado muito mais inimigo: a turma da Praça do Liceu.
Um dia, os líderes dos dois grupos resolveram promover um
duelo entre os menores de cada turma, par acabar de vez com a rivalidade,
juntar-se e enfrentar a turma da Praça do
Liceu. Escolheram os dois representantes: eu, pela Rua Bela, e Nacif
Elias Hidd, também de 10anos e um dos menores do grupo rival, pela Rua
Paissandu. O encontro teve lugar entre as
duas ruas: na Barroso, que nesse tempo era de areia. A rua Bela era
calçada da igreja São Benedito até o rio e a Paissandu estava em obras, mas a
maioria das ruas da cidade ainda era de areia ao barro.
Eu e Nacif começamos a lutar sem regras. Era um vale-tudo
q1ue só pararia quando um corresse, fugisse da raia e se considerasse vencido.
Nós dois nos engalfinhamos e, como éramos do mesmo tamanho, a luta se prolongou
por mais de 15 minutos com a troca de socos e pontapés. Eu me aproveitei do
momento de distração do Nacif para derrubá-lo e montar em cima de seu peito. Quando fui bater em seu rosto com a
mão fechada, o líder da Rua Paissandu Inácio, primo de Nacif, de 16 ou 17 anos,
segurou a minha mão e disse que a Rua bela tinha vencido o duelo. Aí, nesse momento, acabou a rivalidade entre
as duas ruas que se uniram para pegar a
turma da Praça do Liceu.
Quarta brincadeira:
Quando Davi virou Golias
Depois da briga entre as
duas ruas, em que eu venci, dando
a vitória para a Rua Bela, a molecada das duas ruas, uns 60 garotos ou mais,
reuniu-se para brigar coma turma da Praça do Liceu que era famosa pela
valentia. Entramos em contato com os líderes da outra turma e combinamos que os
da Rua Bela iriam invadir a praça e os da praça iriam defendê-la. A data foi,
então, marcada para manhã de um domingo, na hora da missa, para que as mães não
frustrassem o esforço de guerra.
A turma do Liceu preparou-se para nos receber com pedras e
paus. Não imaginaram, porém, que nossa turma era louca, totalmente sem juiz.
José Wilson, Cromwellzinho, eu e um primo do Nacif, sobrinho do Elias Hidd,
juntos, instalamos uma forquilha de mais ou menos um metro de altura, feita de
pau de goiabeira na estrada da praça, no lado contrário ao colégio, na esquina
da Rua Simplício Mendes coma Rua da Estrela (depois Humberto de Campos e, hoje,
Desembarcador Freitas). A forquilha,
transformada em baladeira era capaz de atirar 20 pedras de cada vez que, coma
impulsão da borracha, atingiam toda extensão da praça. Nessa época, o
logradouro tinha poucas árvores, era
todo de barro, mas já apresentava o mesmo desnível de hoje.
A chuva de pedras, seixos rolados, pedras de fogo alcançava,
grande espaço e a turma defensora retirou-se
imediatamente, considerando-se derrotada. Foram queixar-se à polícia e foi difícil para a turma da Rua
Bela se livrar da detenção. A molecada fugiu, só a atiradeira ficou no lugar. Quando os guardas
chegaram, todos haviam sumido. A turma do Liceu não podia identificar nenhum,
embora soubesse um nome de vários, porque sofreria represálias da outra turma.
Silenciaram, pois, e , depois dessa nunca mais houve guerra de gangues. Tio
Cromwell, irmão de mamãe e chefe de polícia
determinou a apreensão da baladeira e botou guardas na praça para evitar as brigas. As turmas acabaram se tornando
amigas, mas sempre concorrentes. O que
contribuiu para isso foi o campeonato anual que existia entre o colégio
Diocesano e o Liceu Piauiense.
Lembranças do magistrado de carreira, desembarcador
aposentado
Raimundo Barbosa de Carvalho Baptista. Do livro Histórias de
um bom Malandro.
1° edição 2012.Gráfica do São João.
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