O cordel que publico hoje conta o romance ocorrido entre
Lampião e Maria Bonita, um amor que
passou por muitas turbulências, mas que
teve o seu lado romântico coisas que somente o livro da vida consegue explicar.
O cordel foi escrito por Carlos Alberto
Dias, professor e pesquisador. Profundo estudioso da história de Altos-PI.
O escritor possui
licenciaturas em Teologia pela Universidade Federal do Piauí(UFPI,2001) e em
Letras/Português pela Universidade Estadual do Piauí(UESPI,2006); pós-graduado
em História do Brasil com ênfase em História do Piauí(Faculdade
Montenegro,2010) e é acadêmico do curso de Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Piauí.
Livros publicados: Câmara Municipal de Altos- Memória
Histórica (02 edições 2002 e 2004),Lealdade Literária (antologia 2009);Prata de
Lei (2011) e Aparição no Castelete(2012).Possui outros livros inéditos.
Editou vários jornais e tem diversos artigos publicados em
jornais, revistas e portais de Altos, Teresina, Demerval Lobão, Brasília e
outras cidades.
Membro da Academia de Letras do Vale do Longá-ALVAL, onde
ocupa a cadeira n° 39, patronímica de Francisco Ferreira Filho (Chiquinho
Cazuza).
Lampião e Maria Bonita
Caros amigos leitores,
Por favor, peço atenção
Ao fato que vou narrar,
Ocorrido no sertão.
De já, eu lhes adianto
Que é verdade e
ficção.
Procurei muito estudar
Pra falar com sabiência,
Em livros e em revistas,
Busquei toda ciência.
Por isso, se alguém achar
Algum fato singular
Será mera coincidência.
Lampião o rei do cangaço
Das caatingas comandante,
Da terra pernambucana,
Bandoleiro viajante,
Justiceiro, fera brava,
Destroçador de volante.
Apesar de cangaceiro,
Não nutria piedade
Com quem praticava o mal
Por mera perversidade.
Punia severamente
crimes dessa qualidade.
Virgulino sempre teve
A alma cheia de amores ,
Sonhava em ter família,
E um lar pra fugir das dores;
Ter filhos para tornar
O seu jardim multicores.
Bem antes de se juntar
Àquela que mais amou,
Conheceu Santina Lopes,
Por quem se apaixonou.
Branca, linda e sorridente,
De 14 anos somente,
Que dele não se a gradou.
Continuou Virgulino Ferreira,
O lampião, na sua jornada dura
De fugas e danação.
Porém sem achar aquela
A quem da seu coração
Uma tarde, em santa
Brígida,
No estado da Bahia,
Visitando Zé Neném,
Sapateiro que existia,
Consertando as alpercatas,
Bornais e “badoleiria”,
Percebeu que Maria Gomes
De Oliveira, sua esposa,
Não tirava os olhos dele
Como quem quer uma cousa,
Mas não deu muita atenção
E saiu como a raposa.
Porém, já tava flechado
Pelo feitiço do amor,
Pois era uma mulher nova,
Bonita e com fulgor,
Carinhosa e muito ardente,
Daquelas que fazem a gente
Gemer sem sentir a dor.
Era no ano de 30;
Lampião com 33,
Começou a imaginar
Quando a veria outra vez;
Inventou mais encomenda
Pro sapateiro outra vez.
Chegando lá na cidade
Resolveu chamar alguém
Pra levar um recado
A Maria de Neném:
Que ele a esperava
Lá na rua do vintém.
Chegando ao lugar marcado,
Maria se apaixonou;
Do homem apaixonado
Ouviu juras de amor
E logo, sem vacilar,
Nos seus braços se atirou.
Maria a ele disse:
_Vivo em grande sofrimento,
Com o meu marido tenho
Grande desentendimento, Carinho que é bom, não vejo,
Só gritos e espancamento.
_Já tive muitos amores
Fui uma mulher feliz;
Me casei com aquele homem
Porque meu pai foi quem quis.
E vivo me acabando
Nas mãos daquele infeliz.
-Eu sempre admirei
A história do senhor,
Homem bom e corajoso,
Humano e respeitador.
Assim não pude escapar
Ao cupido do amor.
Lampião ,por sua vez,
Lhe abriu seu coração.
E disse:_Vamos embora.
Viver lá no meu rincão!
Porque te quero demais
E não vou lhe perder, não.
_Também tive meus amores,
Cultivei minha paixão.
Mas quando te vi ,mimosa,
Neste pedaço de chão,
Sonhei em gozar a vida
Bem junto à prenda querida
A quem dei meu coração.
Passaram-se poucos dias
Daquela cena já dita.
Maria toda enfeitada
Com muitos laços de fita,
Agora, de Lampião
Era a Maria Bonita
Ao lado do seu amado
Com quem irá terminar
Seus dias de vida curta
Foi vista a galopar,
Montada num alazão
Deixando aquele lugar.
Maria Bonita ou Santinha,
Como Lampião chamava,
Era a primeira mulher
Que no cangaço adentrava.
E apesar da vida dura,
Perseguição, captura,
Realizada ela estava.
Um dia, o capitão
Virgulino lhe chamou,
Deu-lhe um beijo e um abraço
E também lhe perguntou:
_Vamo casá na igreja
Pra selá o nosso amô?
Maria, que era só junta
Com o sapateiro Neném
E era menor de idade,
Disse: _Quero sim, meu bem! Mas preciso
De Pedir Licença a meu pai, também.
Chagando lá na Caíçara,
Fazenda do seu José,
E Joaquina Conceição,
Que era sua mulher,
Apeou do seu cavalo
E achou os dois de pé.
Lá da porta o pai
gritou
-como é que vem ao meu lar?
Se largou com seu marido
Pra com bandido ajuntar?
Você não é minha filha,
Trate logo de voltar!
Mas a mãe é sempre doce,
Disse: - José, não é assim.
Vamos ouvir nossa filha
E saber qual é o fim
Dessa viagem que fez
A esse lugar ruim.
José Gomes de Oliveira
Tava muito furioso,
Mas cedeu seu pedido
Assim, meio desgostoso,
E mandou a filha entrar
Apesar de ser tinhoso.
- Eu quero pedir licença
Pra casar com Virgulino,
Pois acho que estou prenha
E espero um menino;
O padre só está esperando
Para repicar o sino.
A velha, ouvindo isso,
Danou-se e foi
chorar,
E seu José começou
A mesa chibatear,
Dizendo: - Eu não permito
Sua vida desgraçar.
Joaquina, recuperada,
Disse: - Ele é um bandido,
Assassino sanguinário,
Que com cão tem partido.
Se você casar com ele
Seu tempo será perdido.
- Saia já da minha
casa,
Cutruvia desgraçada.
Eu lhe arrenego na vida,
Pois você num vale nada,
E da herança não leva
Uma moeda furada.
Santinha saiu chorando,
Soluçando com tristeza.
Ao encontrar seu amado
Na moita da fortaleza,
lhe falou do ocorrido
Que o irou com presteza:
_Eu vou já aquela casa
De perna pro ar virar;
Vou jogar os dois pra cima
E na ponta aparar
Do meu punhal afiado;
Depois de ter esfolado,
Eu vou matar todo o gado
E tudo eu vou queimar.
Acalmada a fera brava,
Os dois foram se amar.
Sem licença e sem nada
Mandaram o padre buscar
E naquela tarde quente,
Com todo bando presente,
O casório ia começar.
O sonho de Lampião
Era ver o padre “Ciço”
Queria que ele casasse
Os dois naquele cortiço,
Mas dali pro Juazeiro
Era longe pra “caniço”.
Vão já na vila
cambada
Ver o que aconteceu;
Porque é que o padre João
Por aqui não apareceu.
Tragam ele aqui na marra,
Quem tá mandando sou eu!
Chegando a hora certa
O padre não aparecia.
Mandou seu capangas verem
O que se “assucedia”.
E chegando lá na vila
O padre bebo dormia.
Então os cabra atiraram
Que parecia um canhão.
O padre tomou um susto
E se arrebentou no chão.
Pensou que era o fim do mundo
E ouvia a voz do cão.
Luiz Pedro disse ao padre:
_o senhor não teme a morte?
Esqueceu que o capitão
Quando estronda lá no norte,
Lá no sul se ouve a voz?
Num brinque com sua sorte!...
Padre João,
atarentado,
Vendo aquela cabrueira,
Danou-se a borrar as calças
De uma grande
caganeira;
Não podia sustentar
Nem falar sem tremedeira.
Disse: _Amigos, eu já vou,
Só quero me alimpar.
E sai batendo em tudo,
Cai aqui, cai acolá.
Até a batina preta
Enganchou numa gaveta,
Rasgou e ficou por lá.
Ligeiro o capanga fez
Na batina o remendo,
Juntaram as tralhas do padre
E foram logo dizendo:
_si seu pade errá a missa
O seu figo vô cumendo.
_meu filho, não diga isso,
Sou um homem de respeito,
Represento o Senhor
E o vinho num tem
defeito...
...ou melhor,...Num posso crer
Que me tratem desse
jeito.
Chegando lá no lugar
Cantavam mulher rendeira;
Dançava alegremente
E bebia a cabrueira.
Quando viu o “capitão”
O padre deu tremedeira.
“_me ôça, sinhô seu pade,
Eu só não mato o sinhô
Em respeito a pade Ciço
E purquê num me casô”.
O padre caiu de costas
Quando Lampião falou.
"_joguem água
encima dele
Duvido que num acorde
E deixe de frescura”,
Se num funciona ainda:
Pimenta na sua rabada”.
_capitão, já acordei
E isto todo curado
Num precisa tê trabaió
Cum esse póbe prelado.
Vamo casá vóis agora;
Fiquem aqui, lado a lado
Só quero sabe agora
Si é de livre vontade
Qui se dão em casamento,
Di toda honestidade?
Senso sim, Deus
abençoe
E lhes dê felicidade.
Lampião e sua Santinha
Trocaram de aliança.
O padre benzeu os noivos,
Fez voto de confiança.
Mas na hora do amém
Acabou-se a bonança.
_Seu pade, favô me acuda
Eu acho que vou parir.
As dores tão muito forte,
O menino qué sair.
Foi o que Santinha disse
Antes de pra trás cair.
O padre sem muito jeito
Fez o parto ali no chão.
A troco de muita luta,
Suor, preocupação,
Nasceu a única filha
De Santinha e Lampião.
_É mermo bênça do Pai
Nesta data tão bonita
Qui caso e que me nasce
Uma criança bendita.
Pur isso vámo chama
Nossa fia de Expedita.
O padre João batizou
Naquela hora a criança.
Depois de passado o susto
Começou toda a festança,
Celebrando aquele dia
Cheio de fé e esperança.
E para fechar o texto
Que estou a escrevinhar,
Lembro Antônio Teodoro,
Um poeta popular,
Que fala da união
De Santinha e Lampião,
Que viveram para amar:
“Os amores de Maria
Com Virgulino Ferreira
Não pode haver escritor
Que com base verdadeira
Possa fazer um poema,
Pois eles deixaram o tema
Nas folhas da quixabeira”
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